Os santos satisfazem sua fome de dendê, mel e
farinhas, da carne dos sacrifícios e do sangue, seiva de vida, revitalizador
elemento da ação do Axé. (LODY, 1979, p. 19).
Os cultos afro-brasileiros são crenças trazidas
pelos escravos provenientes de diversos grupos étnicos – principalmente da
costa ocidental da África –, que se mesclaram ou se aculturaram com elementos e
divindades indígenas e com o catolicismo, trazido pelos colonizadores
portugueses.
Essa nova forma de religiosidade popular recebeu
diversas denominações, cuja variedade de ritos varia de acordo com a tradição
africana da qual procedem, e, sobretudo, por sua formação em uma região
específica do País. Os mais conhecidos são: o Candomblé, na Bahia e em
outros estados; o Xangô,
em Pernambuco, Alagoas e Sergipe; a Umbanda, no Rio de Janeiro, Minas
Gerais e outros estados; o Tambor de Mina, Tambor de Nagô e Canjerê,
no Maranhão; a Cabula, no Espírito Santo; e oBatuque ou Pará, no
Rio Grande do Sul, onde também recebe a denominação deNação.
Para os cultos afro-brasileiros, a alimentação
sagrada é um fator determinante para a união e à preservação das ações dos
deuses. É por meio da alimentação comum entre as divindades e seus fiéis que o
culto assegura sua sobrevivência.
Na mesa dos deuses afro-brasileiros comem os Orixás,
os Voduns (Orixás da cultura Jêje) e os Inkices (Orixás da
cultura Banto).
O Ajeum, cuja tradução mais literal pode ser
banquete, é um termo e origem ioruba referente às refeições. É o ato de
comer e dar comida para as divindades nos centros de cultos afro-brasileiros. É
um importante momento sócio-religioso nas festas públicas dos terreiros de
candomblé, quando são armadas grandes mesas, onde as comidas dos orixás e as
comidas comuns (comidas de branco) são servidas. Não existe cerimônia pública ou
privada nos cultos afro-brasileiros em que a alimentação não esteja presente.
A culinária sagrada dos Orixás é muito
diversificada e têm como base carnes, peixes, farinhas, mel, óleos, além de
outros ingredientes, que de acordo com os preceitos dos cultos resultarão em
alimentos desejados e do agrado do “santo”. Há muita influência da cultura
regional na culinária e modo de preparar os alimentos para os Orixás, nos
terreiros de Xangô, no candomblé e outras formas.
Na Bahia, há uma expressiva culinária votiva com um
cardápio bem diversificado e a presença de fortes elos africanistas nos nomes
dos pratos, condimentos e produtos utilizados.
Em São Luís, no Maranhão, são preparados os aluás
de milho,
com pão e vinagre, servidos em grandes cuias ao gosto dos Voduns, assim como os
abobós, milho cozido e pequenos acarajés, diferentes dos baianos.
Nos terreiros de Xangô, em Pernambuco, Alagoas e
Sergipe, há um grande uso de ervas e favas, também utilizados nos catimbós.
As iabassês ou cozinheiras dos terreiros são
mulheres que se dedicam com votos religiosos ao preparo dos alimentos rituais.
Conhecem os segredos e o que é preciso para agradar, aplacar, invocar ou
cultuar os deuses africanos. Devem atuar na cozinha como em um santuário. Os
alimentos que não fazem parte do cardápio ritual não podem ficar no mesmo
local, devendo ser preparados em outro local, assim como, por tradição, os
homens não devem frequentar a cozinha sagrada.
Os preparos dos alimentos para as divindades têm
tradicionalmente um cozimento demorado, levando às vezes noites inteiras.
Também, dependendo do prato, devem ser levados em conta o dia da semana e
palavras mágicas.
Segundo o antropólogo Raul Lody (1979, p. 32) há
diversos tabus e
injunções na alimentação dos deuses e das pessoas:
As iniciadas de Iansã não podem comer caranguejo ou
abóbora. As pessoas que têm Oxum como orixá principal não devem comer peixes
sem escama, principalmente o tubarão. Os iniciados de Omolu não podem comer
siri. Os adeptos de Xangô, em sua maioria, não comem carneiro e caranguejo, e
os iniciados da Nação Gege Mahino têm a proibição de consumir carne de porco,
também não constando de nenhum cardápio sagrado dessa Nação.
Há um íntimo relacionamento entre os animais e os
deuses africanos. O sangue deles os alimenta e reforça seus poderes no campo
religioso. Por isso, os animais escolhidos para serem sacrificados e servir de
alimento sagrado têm profunda identificação com a divindade a quem a comida
será oferecida. Para cada divindade há uma série de animais votivos, que além
de estar em perfeitas condições de saúde, são escolhidos pela raça, cor e sexo
(LODY, 1979, p. 62-63):
EXU – galo e bode pretos.
OGUM – bode de várias cores, galo vermelho e de
outras cores, conquém (galinha d’Angola, “tô-fraco”).
OXOSSI – boi, bode de várias cores, galo e qualquer
tipo de caça.